sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A Casa aonde Nasceu o Dr. Oswaldo Cruz

Abrindo um parêntese (2)

Conservar e conversar...

Como é curioso nosso idioma!
Duas palavras de mesmas letras, duas das quais trocam de posição como a dizerem:
Somos unidas numa mesma idéia.

Se conservar é preciso, conversar não é preciso!
Os acontecimentos
São técnicas que se perderam no tempo. Empobrecemos culturalmente, não valorizamos o legado que tivemos a sorte de herdar.
Minha terra, São Paulo, que lá na minha infância foi a “Terra da Garoa”, agora temos que aturar como a “Terra das Enchentes”; desgraça miseravelmente banalizada, como tantas outras, pelas mídias que se nutrem mais e mais das mazelas humanas.
São Paulo nos idos tempos da garoa foi palco da maior devastação deliberada da técnica construtiva com terra, em nome do "São Paulo não pode parar!" que já vimos.
Militão Augusto de Azevedo fotógrafo e ator, registrou o “terremoto” que varreu da cidade sua aparência colonial no seu "Álbum Comparativo de Vistas da Cidade de São Paulo (1862-1887)" um registro precioso que vale a pena ver.
Abri este parêntese, para mostrar como um conhecimento bom e muito útil, até mesmo vital, pode servir a outros propósitos:
Em 1872, quando começa a funcionar a primeira linha de bonde, puxados a tração animal, São Paulo conta pouco mais de 30 mil habitantes.
Em 1890 já éramos 65 mil habitantes.
Em 1900, quando foi inaugurada a Usina Elétrica a Vapor da Rua São Caetano, a Estação da Luz, ganhamos as linhas de bondes elétricos. Então, assim de repente viramos uma cidade de 240 mil habitantes.
Temos uma demanda enorme de edificações públicas e privadas como jamais tivéramos.
O cenário é esse, e as condições são as seguintes:
Por onde anda o capital? Estamos deixando a Monarquia e experimentando a primeira República.
Recém "saímos" do regime escravocrata...
Os imigrantes chegam e formam a maioria esmagadora da população. Sob o aspecto da diversidade e da formação de nossa gente, essa foi uma das nossas sortes grandes.
A estrada de ferro se instala e permite a migração do café para a Noroeste.
Esse café forma o capital que vai tirar nossa região do atraso, impulsionando, finalmente, as indústrias paulistas.
Atividade refreada no Brasil colônia.
O gosto pelo eclético tomou formas na Arquitetura da nossa, então nova Av. Paulista.
Começamos a globalização muito antes do que pensamos...
Viramos a página, mas apagamos a maior parte de nossa cultura material.

Poderia ter sido diferente. Poderíamos ter avançado sem destruir o passado.
Mas, lastimavelmente não foi assim!

Qual é o lugar do mundo que está preparado para receber uma tamanha avalanche de gente, em tão pouco tempo?
Imagino todas as mazelas oriundas de carência de saneamento que naqueles tempos ocorreram aqui...
Foram esses os acontecimentos que trouxeram uma população estrangeira muitas vezes maior do que a primordial. As técnicas construtivas que dominavam eram outras.

Se em São Paulo foi assim, no Rio de Janeiro em 1904 ocorreu a política do "bota-abaixo" conduzida pelo prefeito Pereira Passos, igualmente devastadora da nossa cultura material.
O argumento final
Por incrível que parecer possa, ainda ocorrem nos dias de hoje argumentos como:

"O prefeito João Henrique (PMDB) entregou Salvador ao capital imobiliário. O avanço da expansão imobiliária, com extinção das últimas reservas de mata atlântica, está trazendo de volta o risco de contaminação humana pela Doença de Chagas. Os insetos estão aparecendo aos montes nas proximidades dos luxuosos condomínios residenciais de Patamares e da Avenida Paralela. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de julho a outubro de 2008 coletou 200 insetos e 50% deles estavam contaminados pelo protozoário Trypanosoma cruzi, causador da Doença de Chagas. - Amigos da Bahia - 30/10/2008

A história se repete, com argumento velho:

“Discussão Única da Indicação n° 800/2007Autor: Dep. Antônio Figueirôa
Apelo ao Presidente da República Federativa do Brasil, ao Ministro de Estado da Saúde, ao Governador do Estado, ao Secretário de Saúde, ao Secretário das Cidades, ao Prefeito do Brejo da Madre de Deus e ao Presidente da Câmara de Vereadores do Brejo da Madre de Deus objetivando a construção de casas de alvenaria, substituindo as de taipa, no Sítio do Bandeira, no município do Brejo da Madre de Deus, neste Estado.” - DIÁRIO OFICIAL DE - 24/4/2007.

"A prefeitura de Delmiro Gouveia investe pesado na melhoria da qualidade de vida dos delmirenses. Com esta filosofia, o prefeito Cazuza firmou parceria com Funasa para a demolição de 26 casas de taipa nos povoados São Sebastião e Valha-me Deus e a construção de habitações em alvenaria.Os recursos da Funasa, na ordem de R$ 265 mil, foram disponibilizados no final de dezembro, e as novas casas devem ficar prontas ainda este mês."Além de oferecer melhores condições de moradia, a destruição das casas de taipa contribui com a erradicação do mal de Chagas", lembra o prefeito.
"A prefeitura receberá ainda recursos para custear a construção de 280 módulos sanitários para as casas que não têm banheiros adequados", lembra o prefeito Cazuza.
A DOENÇA
O mal de Chagas é causado por um protozoário, o Trypanosoma cruzi, que é transmitido por um inseto conhecido como barbeiro, o Triatoma infestans.A transmissão pela picada do barbeiro está praticamente erradicada no país, mas ainda existem alguns focos no interior do país, principalmente nas áreas rurais — cujas habitações de taipa têm frestas em que o barbeiro se esconde.O coração do indivíduo infectado pelo tripanosoma vai enfraquecendo, e o doente acaba tendo insuficiência cardíaca."
- Folha Sertaneja - Paulo Afonso - BA24/02/2008 - 11:30

Esse foi o argumento final para a erradicação de uma técnica construtiva e a perda dessa parte de nossa cultura primordial.

A culpa por termos a doença de Chagas é a técnica construtiva com terra.
Infestações que independem da técnica construtiva, mas das condições criadas pela ignorância que sujeitam as pessoas ao mal de Chagas.
O jogo da ignorância

Você fica aí, burrinho e coitadinho, que eu te arranjo uma casa novinha.
Cômodo para todos os lados!
Um não faz nada e o outro faz tudo. E, faz tudo que quiser realmente!

Não seria mais barato dar os recursos e ensinar a eles como rebocarem e pintarem suas casas?
Mas, crescer é custoso...

O ensino andou assim também por aqui:
O aluno fingindo que aprendia, o professor fingindo que ensinava e ambos saiam felizes:
O analfabeto passava sem saber nada e ao final de um tempo tinha um diploma que não valia nada, e o professor com o salário de fome ao final de cada mês.
E o futuro que se dane!
Está mudando, mas é custoso!
Foi assim que fomos mantidos ignorantes! Porque alguém leva vantagem e mantém o "gado" sob controle.
Creio que esse tempo já não cabe mais... ou estarei enganado?

É assim que se usa um bom e útil conhecimento para se praticar outra coisa!

Qualquer que seja o sistema construtivo se for mal executado sem condições sanitárias, cujos biomas estão desequilibrados, o resultado só pode ser um só: DESASTRE!

Recuperar o preciso é preciso!

“Quero para mim o espírito desta frase...”

Alguns afirmam que a taipa pode durar séculos, mas tem um inimigo mortal – a chuva.

Nós, o arquiteto e o geólogo do CEPA, que re-visitamos as técnicas ancestrais, e que em taipa de pilão experimentamos novas formas de estabilização do solo afirmamos que o inimigo mortal da taipa é a ignorância.
Aliás, inimiga não só da taipa, mas da humanidade!

Por questões de falta de recursos, infelizmente para nós, mas felizmente para a ciência, ou precisão, nossas taipas ficaram no tempo, durante 2 anos recebendo as chuvas mais intensas da região e não sofreram dano algum. Quando pudemos dar continuidade às obras elas estavam perfeitas. Entretanto, essa não seria a única prova, as paredes de 25cm do nível superior ficaram um ano (2006) no tempo. O motivo foi o mesmo, falta de recursos.

As paredes do piso superior passaram um ano sob ação do tempo

Este conhecimento preciso tem sido disponibilizado em diversos cursos que ministrei.

Parede em pau-a-pique que alunos erigiram. Se parássemos por aqui teríamos o próprio hotel de peçonhas
Aos meus alunos ensino que se for para erigir um hotel de peçonhas não façam. Seja qual for a técnica construtiva.
O imaginário popular é esse: taipa de mão é aquela coisa medonha, cheia de buraco, mal feita, etc. , a que chamo de hotel de peçonhas.

Parede em pau-a-pique acabada que ficou no tempo, sem proteção por mais de um ano

Entretanto existem exemplares de sede de fazenda de café onde a técnica de pau-a-pique foi executada com qualidade e lá estão até os dias de hoje!

Por que conservar um conhecimento considerado superado?

Não porque seja melhor.
Ou porque seja mais barato, porque não é.
Ou porque seja muito mais econômico.
Ou porque os outros países mais desenvolvidos invistam nisso.
Mas, pelo simples fato de ser um conhecimento a que temos o direito.
Pelo simples fato de ser uma alternativa a mais na gama de conhecimentos materiais.
Sustentabilidade esse é o motivo. Aquilo que permite a diversidade.

Se fosse mera repetição de uma técnica construtiva primordial não haveria espaço em nossos dias.

A Arquitetura em Terra pode e deve ser aplicada como resultado de um avanço, um recurso atual para resolver questões atuais, tais como:

Consumo de água durante a execução da obra.

Geração de resíduos durante a execução da obra e sua reincorporação no meio-ambiente.

Consumo de energia durante e após a execução da obra.

Reincorporação de resíduos no meio-ambiente após o término de sua vida útil.

E, convenhamos, além de aconchegante é esteticamente um material lindo!

“Alguma forma de contribuir para a evolução da humanidade.”

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